Com a mudança da ANPD para autarquia especial, somente perdem aqueles que ainda insistem em negligenciar ou ignorar o cumprimento das regras de proteção de dados, porque as condições para uma atuação robusta e profícua estão postas
A LGPD, que, em seu art. 55-A, § 2º, estabelecia a transitoriedade da natureza jurídica da ANPD e abria o caminho para sua transmutação em autarquia especial e isso ocorreu com a recém editada Medida Provisória nº 1.124, datada de 13 de junho de 2022.
Desde sua criação, a Autoridade de Controle e Supervisão de Proteção de Dados Pessoais do Brasil denominada oficialmente de Autoridade Nacional de Proteção de Dados – ANPD, estruturou-se e está em robusta operação de monitoramento e fiscalização, além das atividades de regulamentação da Lei 13.709/18, de acordo com agenda regulatória preestabelecida.
A atuação independente da autoridade acabou se tornando mandatória, especialmente em face dos desafios institucionais que o órgão poderia enfrentar a partir do momento em que passasse a autuar e punir tanto o poder público, como entidades privadas.
Além disso, há a intenção do Brasil de ingressar na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, com sede em Paris/ França) que é uma organização internacional composta por 38 países membros, que reúne as economias mais avançadas do mundo, bem como alguns países emergentes como a Coreia do Sul, o Chile, o México e a Turquia. Atualmente são países membros da OCDE: Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Chile, Colômbia, Coréia, Costa Rica, Dinamarca, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estados Unidos, Estônia, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Irlanda, Islândia, Israel, Itália, Japão, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, México, Noruega, Nova Zelândia, Países Baixos, Polônia, Portugal, Reino Unido, República Checa, Suécia, Suíça e Turquia.
Para isso, é necessária uma mudança no sistema regulatório nacional de proteção de dados, sobretudo no que toca ao Órgão de Controle, efetivamente autônomo e efetivo, no sentido fiscalizatório e sancionador.
O Brasil também pretende ser reconhecido pela União Europeia como país adequado em termos de proteção de dados. Em meio a um processo de regulamentação sobre a transferência transfronteiriça de dados pessoais pela ANPD, o país necessita avançar para logo poder ser beneficiado por uma “decisão de adequação”, que é ato decisório adotado pela Comissão Europeia, o qual estabelece que um país terceiro garante um nível adequado de proteção de dados pessoais em razão de sua legislação interna ou dos compromissos internacionais assumidos. O efeito dessa decisão é que os dados pessoais podem ser transmitidos dos países membros do Espaço Econômico Europeu (EEE) para os países “homologados” sem necessidade de salvaguardas adicionais.
A Comissão Europeia reconheceu até agora Andorra, Argentina, Canadá (organizações comerciais), Ilhas Faroé, Guernsey, Israel, Ilha de Man, Japão, Jersey, Nova Zelândia, República da Coreia, Suíça, Reino Unido sob o GDPR e o LED (Law Enforcement Directive – decisão de adequação Reino Unido) e Uruguai como proteção adequada.
Importante referir, ainda, que com a Emenda Constitucional nº 115, que tornou a proteção de dados um direito fundamental, a mudança da natureza jurídica da ANPD passou a ser mais urgente, de modo a possibilitar maior segurança jurídica e administrativa ao órgão. Nos termos do art. 21, inc. XXVI, da Constituição da República, a ANPD é o órgão da União a quem compete a organização e fiscalização da proteção e tratamento de dados pessoais.
Compete à ANPD impulsionar o processo administrativo sancionador sempre que constatadas violações à LGPD, está na iminência de ter seu arcabouço normativo completo: falta pouco para a edição do regulamento de sanções e metodologias que estabelecerá a dosimetria e formas para o cálculo da pena de multa.
Se tivesse sido mantida como órgão da Presidência da República, pertencente à administração pública direta, a ANPD poderia enfrentar questionamentos jurídicos e, consequentemente, ter suas punições administrativas anuladas em processos no âmbito da Justiça Federal, provocados especialmente pelas Procuradorias federais, estaduais, distritais e municipais em todo o país, na defesa os entes públicos sancionados.
Pelo que foi até aqui exposto, fica muito clara a urgência e relevância na avaliação do Congresso Nacional para a edição da Medida Provisória nº 1.124/22.
A mudança da ANPD para autarquia federal de regime especial a equipara a outras entidades de natureza similar, como as agências reguladoras e o Banco Central do Brasil. Sua organização administrativa e autonomia, restam preservadas, reforçando a estabilidade institucional de sua diretoria, que já têm mandato e são escolhidos após sabatina pelo Senado Federal. Uma alteração importante diz com a transformação da assessoria jurídica em Procuradoria, compatibilizando com outras estruturas federais.
A MP concede à ANPD personalidade jurídica de direito público interno, de acordo com a legislação civil (art. 41, inc. IV, CC), dotando-a de capacidade processual para acionar o Poder Judiciário na defesa de direitos coletivos em sentido amplo e difuso, podendo mover ações civis públicas (art. 5º, inc. IV, Lei nº 7.347/85). Isso significa que a ANPD passa a ter legitimidade processual para promover ações judiciais na defesa dos interesses da sociedade, em matéria de proteção de dados que lhe é afeta, inclusive ajuizar medidas cautelares, como ações de busca e apreensão de bens e documentos, de suspensão de atividades de tratamento de dados pessoais, até de afastamento de dirigentes e, por que não, de encarregados pelo tratamento de dados pessoais.
Por meio dessas ações, a ANPD poderá pleitear, em juízo, reparação de dano moral coletivo, além de promover a exequibilidade do cumprimento de sanções administrativas decretadas pela entidade após findo o processo administrativo sancionador contra entidades públicas e organizações privadas.
Importante destacar que não se aplicam as robustas regras da nova Lei das Agências Reguladoras à ANPD, uma vez que esta, embora se torne autarquia de regime especial, não está sendo transformada em uma agência reguladora.
A partir de agora, a nova autarquia tem plenas condições jurídicas e administrativas de instituir, unidades regionais em todo o Brasil, bastando, para isso, ter condições financeiras e orçamentárias, aproximando a ANPD de todos os espaços territoriais, o que poderá levar a uma atuação regulatória e até mesmo contenciosa administrativa ou judicial bastante expressiva.
Muito em breve, veremos o Brasil “mudar a sua cor” na avaliação das legislações de proteção de dados no mundo (https://www.dlapiperdataprotection.com/).
Paola Roos – 21/06/2022