Vivemos em uma sociedade e em tempos hiper complexos: época de mudança, de secularização, de globalização, de pluralismo religioso e cultural, de relativismo filosófico e moral, de redescoberta e revalorização da subjetividade, crise climática, de cultura em rede – onde cada ponto é um produtor de conhecimento– de materialismo, individualismo, de sentimentos e relacionamentos líquidos (ou já seriam gasosos, Bauman?).
O momento histórico pandêmico e pós-pandêmico, marcado pelas tecnologias da informação, comunicação, conectividade, algoritmos e crise climática acentuou a fragmentação e a desterritorialização, a destemporalização (onde em tudo há senso de urgência e instantaneidade), além de uma nova concepção de tempo, de espaço e até mesmo de identidade.
Nesse contexto, é de suma importância revitalizar o princípio da precaução, cuja origem, na seara jurídica, está no direito ambiental. O princípio também é conhecido em Segurança da Informação, sendo um de seus pilares, consistente na busca de a antecipação de eventualidades, com a adoção de medidas para prevenir a ocorrência de danos.
O ponto de contato do princípio da precaução, nas duas áreas, reside na incerteza, buscando o enquadramento dos riscos derivados da dúvida.
O amadurecimento do princípio da precaução em tempos extraordinários como este que estamos atravessando se torna essencial para navegar pelas incertezas e complexidades contemporâneas.
Ao mesmo tempo que a sociedade se torna mais interconectada e dependente das tecnologias emergentes, as mudanças climáticas extremas não apenas colocam em risco a vida de milhares de pessoas, mas também a economia, especialmente setores críticos, como agricultura.
Diante desse cenário desafiador, o resgate do princípio da precaução se torna uma estratégia indispensável para mitigar os impactos ambientais e sociais, para atingir a sustentabilidade e a resiliência. A antecipação e a gestão de riscos devem ser prioridade não apenas no direito ambiental e na segurança da informação, mas em todas as esferas da vida social e econômica dos tempos atuais.
O princípio da precaução, no contexto do direito ambiental, orienta a tomada de decisões quando há incerteza científica sobre os potenciais impactos adversos de determinada atividade, produto ou tecnologia sobre o meio ambiente. Esse princípio estabelece que a falta de certeza científica não deve ser uma razão para adiar medidas de prevenção contra possíveis danos ambientais graves ou irreversíveis.
O princípio da precaução nos ensina a agir com responsabilidade, prevendo possíveis consequências adversas antes que elas se concretizem. Na era da informação, onde os dados pessoais e sensíveis são constantemente coletados, processados e armazenados, a precaução torna-se um pilar para garantir a proteção dos indivíduos contra violações de direitos civis fundamentais, de privacidade e segurança. Da mesma forma, no contexto das emergências climáticas, a utilização do princípio da precaução é fundamental para proteger a vida digna das pessoas, preservar os recursos naturais e garantir os direitos das gerações futuras.
A fragmentação e a desterritorialização de nossas vidas, acentuadas pela pandemia, e pela crise climática exigem uma abordagem mais holística e integrada para o princípio da precaução. Não podemos mais considerar os riscos de forma isolada; eles são interconectados e interdependentes. Por exemplo, a crise climática está intrinsecamente ligada à saúde pública, à segurança alimentar e à estabilidade econômica. Da mesma forma, a segurança cibernética afeta a confiança nas instituições, a proteção dos direitos humanos e a governança global.
Portanto, revitalizar e amadurecer o princípio da precaução significa reconhecer sua relevância universal e aplicá-lo de maneira abrangente e adaptativa. Isso envolve a adoção de políticas e práticas que priorizem a prevenção, a transparência e a responsabilidade em todos os níveis, desde indivíduos até governos e corporações. Envolver todas as partes interessadas, promover a educação e a conscientização sobre os riscos e engendrar medidas preventivas, incentivando a inovação responsável são passos fundamentais para garantir um futuro mais seguro e sustentável.
O princípio da precaução é mais do que uma diretriz e nos orienta a agir com prudência e “foresight” em um mundo em constante mudança. Resgatá-lo plenamente é um imperativo para enfrentar os desafios complexos do século XXI, protegendo não apenas o presente mas, sobretudo, o futuro.