Educação corporativa para compliance: ética pode ser ensinada?
A ética é um aspecto importante do comportamento humano e da tomada de decisões. A questão de saber se a ética pode ser ensinada tem sido objeto de muita discussão e pesquisa.
Um dos principais argumentos a favor do ensino da ética é que ela pode, efetivamente, ajudar a aumentar a conscientização e promover o melhor comportamento dos indivíduos. A educação ética fornece uma compreensão de princípios e valores morais, bem como habilidades raciocínio e tomada de decisão que necessárias para aplicar tais diretrizes em situações da vida real.
Pesquisas recentes apoiam a ideia de que a educação ética pode ser bastante eficaz na melhora da consciência e do comportamento do indivíduo. Um exemplo é o estudo do Centro Markkula de Ética Aplicada[i], que descobriu que os alunos que concluíram um curso de ética eram mais propensos a se envolver na tomada de decisões éticas e menos propensos a se envolver em comportamento antiético.
O tema é controverso pois a eficácia da educação ética pode ser influenciada por uma série de fatores, incluindo valores pessoais, experiências e emoções de uma pessoa. Há estudiosos do assunto que argumentam que a ética não pode ser ensinada, justamente porque os valores e experiências pessoais desempenhariam um papel muito maior na formação do comportamento, por serem formados no início da vida humana[ii].
A experiência na estruturação de programas de compliance corporativos, me fazem crer que uma abordagem multidisciplinar para a educação ética nas empresas pode sim ser eficaz na promoção da consciência e do comportamento eticamente orientados. Essa abordagem combina a instrução ética tradicional com experiências práticas, como simulações e estudos de caso, para ajudar os colaboradores a entenderem e aplicarem princípios éticos em situações da vida real.
Um exemplo de pesquisa que apoia o ensino da ética foi publicado no Journal of Management Education[iv]. O estudo investigou o impacto da educação ética em estudantes de negócios e descobriu que os indivíduos que receberam treinamento ético tinham um nível mais alto de raciocínio e eram mais propensos a terem atitudes éticas em comparação com aqueles que não receberam o treinamento.
Contudo, uma abordagem apenas da teoria é incompleta. Sem dúvida esse tipo de treinamento ajuda a garantir que as regras sejam claras e que seja comunicado aos colaboradores o dever de cumpri-las. Mas reconhecer e atender a desafios éticos pressupõe elevado grau de consciência pessoal e o desenvolvimento de competências que apoiam a tomada de decisão ética eficaz.
Em ambientes corporativos, a abordagem mais proveitosa é a que incentive a prática da reflexão, do diálogo e da ação ética. Atividades que cultivem normas de processos organizacionais para desenvolver o pensamento ético em apoio à responsabilidade individual e ao desenvolvimento moral são recomendadas. O contexto organizacional deve ser o foco, questões éticas devem ser apresentadas em reuniões de equipe, para conscientização e responsabilização dos gestores e líderes pelas questões e áreas de risco ético, com a vinculação da prática ética aos objetivos organizacionais e ao desempenho pessoal dos membros da equipe.
A ênfase no desenvolvimento de competências éticas é eficaz para ajudar os colaboradores a exercerem a ética como um ativo “prático” em vez de percebê-la como um dever de obediência forçado. Importante lembrar que os contextos organizacionais, em um sentido negativo, também podem criar e apoiar práticas antiéticas em processos de tomada de decisão, fazendo com que pessoas possam apresentar mudanças comportamentais se envolvendo em decisões e atos antiéticos[v], como contextos de assédio sexual, assédio moral, medo de perder o emprego, posição, etc.
Todos os indivíduos são vulneráveis – conscientemente ou inconscientemente – às demandas do seu meio social, de modo que programas de treinamento corporativo com foco em ética e conformidade fazem com que as pessoas prestem mais atenção às considerações éticas de suas decisões diárias, incluindo a capacidade de analisar as consequências potenciais de suas decisões e ações.
Hábitos de autorregulação podem afetar o sucesso a longo prazo das pessoas e organizações[vi]. A mensagem da ética como hábito de escolha – capacidade que precisa ser exercida para ser sustentada – deve ser constante para produzir resultados nos espaços empresariais. A comunicação da liderança e os mecanismos de avaliação devem ser trabalhados para reforçar a natureza crítica do desempenho ético em uma empresa.
Focar no conteúdo, no contexto, na educação para ética organizacional pode ajudar os funcionários em todos os níveis a vivenciar a ética como um elemento central tanto da vida pessoal quanto do sucesso organizacional. O uso da tecnologia pode ser um aliado na educação ética corporativa, como o uso de simulações de realidade virtual e cursos de ética on-line, bem como o uso de inteligência artificial para analisar dilemas éticos e fornecer orientação sobre a tomada de decisões.
[i] Santa Clara University, Califórnia
[ii] Miller
e Miller, 1976
[iv] Volume 41 Issue 4, August 2017 – https://journals.sagepub.com/toc/jme/41/4
[v] Zimbardo, 2007.
[vi] Organizational ethics education and training: a review of best practices and
their application Leslie E. Sekerka, International Journal of Training and
Development 13:2 ISSN 1360-3736